Mísseis de Ataque Hipersônico

CONCEITO DE MÍSSIL HIPERSÔNICO

Os mísseis e outros veículos voadores podem viajar em quatro faixas de velocidade: 
  • mísseis subsônicos voam abaixo da velocidade do som (Mach 1 - 1.234 km / h); 
  • mísseis supersônicos voam entre Mach 1 e Mach 5, ou seja, entre 1.235 a 6.174 km / h; 
  • mísseis hipersônicos viajam em velocidades entre Mach 5 e Mach 25, ou seja, entre 6.174 a 30.870 km / h; 
  • os veículos ultrassônicos ultrapassam Mach 25. 

A primeira geração de mísseis com capacidade hipersônica foram os mísseis balísticos (especialmente os intercontinentais – ICBMs), com uma velocidade máxima podendo chegar ao regime ultrassônico em alguns casos. Ou seja, a velocidade hipersônica em si não é novidade há pelo menos 60 anos. Mas qual é a novidade dos novos mísseis de ataque hipersônico?
O conceito atual de míssil de ataque hipersônico prega, além de uma velocidade hipersônica, a capacidade de realizar manobras durante o voo, normalmente em altitudes entre 30 a 100 km. Essas características de alta velocidade, manobrabilidade e altitudes tornam-se desafiantes para as melhores defesas antimísseis atuais e, até os últimos minutos de voo, torna esses artefatos imprevisíveis quanto ao seu alvo.

TIPOS DE MISSEIS DE ATAQUE HIPERSÔNICO

Veículo Planador Hipersônico (HGV – Hypersonic Glide Vehicles)
Os HGVs são lançados por foguetes que chegam até a atmosfera superior, ou seja, entre 40 a 150 km de altitude, onde são ejetados e voam para seu destino “planando” em velocidade entre Mach 10 e Mach 25As condições iniciais de liberação são conduzidas pela trajetória pretendida e pelas características do veículo.
Os HGVs possuem um motor foguete de aceleração semelhante aos dos mísseis balísticos, alguns utilizam inclusive o mesmo motor foguete, mas diferem quanto à carga útil e o perfil de voo. Enquanto os mísseis balísticos atingem centenas de quilômetros de altitude e utilizam veículos de reentrada atmosférica (RV – Reentry Vehicle), com uma trajetória puramente balística (como uma bala de canhão atirada para cima), o HGV é um sistema planador capaz de gerar mais sustentação e realizar manobras durante grande parte do voo. Um HGV pode variar o seu ponto de impacto e a trajetória ao longo do voo e voar em altitudes mais baixas em comparação aos RVs tradicionais.
Trajetória de um míssil balístico convencional (RV) vs HGV.


É importante destacar que a velocidade máxima do HGV, assim como nos RVs, é alcançada ainda na fase de aceleração quando o motor foguete ainda está acionado para a subida. A velocidade do HGV diminui gradativamente ao longo do tempo após essa fase de aceleração, principalmente na fase terminal conforme ele entra mais fundo na atmosfera. O HGV tende a voar mais tempo em altitudes mais baixas do que os RVs dos mísseis balísticos convencionais, exigindo assim uma proteção térmica específica para este perfil de voo.
Embora os HGVs geralmente não sejam alimentados por um motor, um pequeno sistema de propulsão para proporcionar velocidade adicional ou alguma altitude ou controle direcional também pode ser integrado ao veículo. No entanto, um motor adicional precisaria ser analisado em virtude dos custos associados ao incremento de peso e à complexidade técnica.
Alguns tipos de RVs, como o Veículo de Reentrada Manobrável (MaRV – Maneuverable Reentry Vehicle), são capazes de manobrar na fase terminal do voo, mas sem alcançar um perfil de voo tão horizontal e manobrável quanto um HGV.


O HGV pode ser dividido em dois grupos, o planador em forma de cone e o planador em forma de cuia:
HGV cônico: Possui um design muito próximo de um MaRV (Maneuverable Reentry Vehicle) utilizado em alguns mísseis balísticos. Os MaRVs basicamente são RVs capazes de realizar manobras limitadas na fase terminal do voo. Eles normalmente possuem pequenas aletas de direcionamento.

Visualmente a diferença entre um MaRV e um HGV cônico é que as aletas de direcionamento deste último são maiores, gerando assim mais sustentação e capacidade de manobra. Visualmente os MaRVs e HGVs cônico poderão ser relativamente próximos, mas o HGV cônico ainda terá um perfil de voo mais horizontal e manobrável.
Alguns sistemas como o míssil balístico russo Kh-47M2 Kinzhal, lançado a partir do MiG-31, podem gerar ainda mais confusão, mas basta uma análise mais cuidadosa para verificar que neste caso trata-se de um sistema balístico manobrável e não um HGV. O Kinzhal não possui um veículo planador destacável, todo o corpo do míssil voa até o alvo, e claramente possui aletas de direcionamento com área alar pequena para o tamanho do míssil, inviabilizando assim um voo mais horizontal. 

Resultados da pesquisa

Resultados da WebKinzhal não possui um veículo planador destacável, todo o corpo do míssil voa até o alvo, e claramente possui aletas de direcionamento com pequena área alar para o tamanho do míssil, inviabilizando assim um voo mais horizontal. O Kinzhal está mais próximo de um MaRV do que de um míssil hipersônico com HGV.

HGV em forma de cuia: Possui um design mais inovador, com mais sustentação e manobrabilidade do que o HGV cônico, ele representa de fato uma capacidade tecnológica disruptiva em relação aos MaRVs dos mísseis balísticos.

Míssil de Cruzeiro Hipersônico (HCM – Hypersonic Cruise Missile)
Os HCM são alimentados durante todo o caminho até seu destino por um motor a jato  scramjet, que são acionados após uma aceleração inicial fornecida por um motor auxiliar de aceleração (booster), que leva o míssil até uma velocidade próxima de Mach 5. São versões mais rápidas dos atuais mísseis de cruzeiro, voando entre Mach 5 e Mach 10 a uma altitude de 30 a 50 km durante a fase de cruzeiro.

Tanto o HGV quanto o HCM podem ser lançados a partir de plataformas terrestres, aéreas ou marítimas. Enquanto o HGV plana entre 50 a 100 km de altitude, a uma velocidade de até Mach 25, o HCM voa entre 30 e 50 km de altitude a uma velocidade de até Mach 10, porém com mais flexibilidade e capacidade de manobrabilidade do que o HGV, por ser alimentado durante todo o voo pelo motor scramjet. Como HCM utiliza o oxigênio atmosférico como combustível, um HCM com o mesmo peso de um HGV terá maior alcance do que este último. 
O tamanho mais compacto e maior manobrabilidade do HCM o torna um desafio ainda maior para as defesas antiaéreas do inimigo, sendo muito mais difíceis de se interceptar do que os mísseis balísticos tradicionais. Além disso, sua altitude de voo resultam em um aviso prévio menor em relação aos mísseis balísticos convencionais.

ESFORÇO DE DESENVOLVIMENTO

Os mísseis de ataque hipersônico estão atualmente sendo desenvolvidos principalmente pelos Estados Unidos, Rússia e China. Outros países além desses três também estão desenvolvendo tecnologia hipersônica, mas, em uma fase bem mais inicial, principalmente a Índia.
Existe uma diferença básica entre os esforços dos EUA, Rússia e China. Enquanto a Rússia foca no uso principalmente estratégico, os EUA focam exclusivamente no uso tático. A China parece seguir uma linha mais próxima da americana. Isso significa que para os russos o esforço hipersônico deve garantir principalmente sua capacidade de atingir o território dos EUA em um ataque nuclear intercontinental, contra grandes alvos fixos, enquanto EUA e China buscam uma capacidade de ataque dentro de um determinado teatro de operações. A abordagem americana, e provavelmente a chinesa, é mais desafiadora do que a russa, já que exige mísseis com sistema de aquisição de alvos e orientação / guiamento mais precisos. O nível de precisão exigido em um ataque tático com ogiva não nuclear é consideravelmente maior.
A situação atual, com pesquisas hipersônicas amplamente  divulgadas e disseminadas entre governos, indústrias e setor acadêmico, apresenta desafios para a sua não-proliferação. Por outro lado, existem barreiras orçamentárias e técnicas formidáveis para dominar tais tecnologias hipersônicas: gerenciamento térmico de materiais; controle de voo, propulsão, testes, modelagem, guiamento e simulação. Todos estes elementos levantam a possibilidade de que, com a restrição na cooperação internacional, a difusão de mísseis hipersônicos pode ser limitada. As armas hipersônicas não serão implantadas em escala em menos de uma década, e a proliferação para as nações menores virá muito mais tarde.

IMPACTO NO CAMPO DE BATALHA

Impacto Ofensivo
De uma perspectiva ofensiva, enquanto um RV deve atingir apenas um alvo fixo e um MaRV pode potencialmente atingir um alvo móvel lento, como um porta-aviões, a manobrabilidade do HGVs pode potencialmente fornecer a capacidade de ser atualizado em voo para atacar um alvo diferente do originalmente  planejado. Os HGVs são inerentemente manobráveis desde o momento em que começam a sua fase de planeio até a maior parte do tempo, podendo desviar de sistemas de defesa aérea. Com a capacidade de voar em trajetórias imprevisíveis, esses mísseis colocarão grandes áreas em risco durante sua missão. Os sistemas de rastreamento só podem estimar o ponto de impacto de um HGV no último minuto de seu voo, que pode variar fortemente sua trajetória tanto em escala descendente como transversal, até a fase final.
No caso do HCM, a imprevisibilidade quanto ao alvo é ainda maior do que no HGV, já que o motor scramjet capaz de alimentar o míssil durante quase todo o voo, permite ao míssil manobrar de forma mais aguda e readquirir um novo alvo até os momentos finais de sua trajetória, colocando áreas ainda maiores sob risco. O HCM e um sistema mais compacto e adequado a um ataque de saturação, já que mais mísseis poderão ser transportados e lançados por uma plataforma de lançamento, como um avião bombardeiro ou belonave. O HCM também é mais adequado à aquisição terminal do alvo através de um sistema de orientação, como um buscador com radar ativo.
Linha de Tempo Comprimida
As nações que não possuem (ou têm acesso a) sistemas de sensores satelitais para detectar lançamentos de mísseis balísticos e que dependem de radares baseados no solo para detectar mísseis balísticos de médio e longo alcance, poderão experimentar uma outra compressão em seu tempo de resposta.
O raciocínio é que os mísseis balísticos típicos tendem a voar em altitudes mais elevadas do que os HGVs e, portanto, devem ser detectados com mais antecedência. Devido à curvatura da Terra e à baixa altitude de voo do HGV em comparação com a de um míssil balístico convencional de alcance similar, o radar em solo provavelmente não detectarão um HGV tão cedo, diminuindo em mais de 50% o tempo de alerta.

Os HGVs aumentam a probabilidade de um ataque bem sucedido. Essas armas encorajam as nações ameaçadas a tomar ações como a restruturação do comando e controle de forças estratégicas para um nível mais baixo, maior dispersão de tais forças e uma postura constante de alerta. Em suma, ameaças hipersônicas encorajam táticas de gatilho, ou seja, estimulam as nações ameaçadas a atacarem primeiro, o que aumentaria a instabilidade, gerando crises geopolíticas.
Enquanto os HGVs entregam um ganho real em relação ao tempo de alerta em relação aos mísseis balísticos, os HCMs não irão diferir muito em relação aos mísseis de cruzeiro tradicionais. O HCM pode ser até 10 vezes mais rápido do que um míssil de cruzeiro subsônico, porém voam a cerca de 30 km de altitude, podendo ser detectado a aproximadamente 300 km por um radar na superfície, enquanto isso os mísseis de cruzeiro tradicionais voam rente ao solo ou mar (5-10 m), limitando sua detecção a aproximadamente 25-30 km do ponto de impacto em relação a um radar na superfície (talvez a estratégia de possuir mísseis de cruzeiro supersônico seja mais eficiente). Um HCM pode até voar mais baixo, mas isso comprometeria a sua capacidade máxima de alcance.
Defesa Contra Armas Hipersônicas
Os mísseis hipersônicos não aumentam necessariamente a vulnerabilidade das nações que não possuem defesas antimísseis, elas já são vulneráveis aos tipos atuais de mísseis. Um número crescente de nações detêm defesas antimísseis que poderiam ser penetradas por mísseis hipersônicos. Devido a alta velocidade alcançadas pelos mísseis hipersônicos na fase de descida, cria-se uma camada de plasma ao redor do míssil, absorvendo quaisquer ondas de radar, reduzindo drasticamente a sua assinatura RCS (Radar Cross Section).
Um ataque hipersônico com HGV, por exemplo, pode ocorrer com pouco tempo de advertência em relação a um com mísseis balísticos convencionais, esse fator somado com a imprevisibilidade dos alvos de um ataque hipersônico comprimem a linha de tempo para a resposta de defesa.
Existem grandes diferenças defensivas entre MaRVs e HGVs. As manobras de pós-reentrada de alta força G para ambos os veículos desafiarão as defesas terminais, mas como a maior parte da trajetória do MaRV é exoatmosférica, sistemas de defesa de mísseis balísticos que operam na região exoatmosférica, como o GMD (Ground-Based Midcourse Defense), o míssil RIM-161 SM-3 e em parte o THAAD (Terminal High Altitude Area Defense), permanecem efetivos contra os MaRVs enquanto não entrar na atmosfera, mas não contra os HGVs, que voam a maior parte do tempo na atmosfera superior. Em outras palavras, em relação as defesas terminais exoatmosféricas, um MaRV possui todas as vulnerabilidades de um RV balístico, enquanto o HGV torna essas defesas quase inúteis.
As defesas terminais com capacidade de envolver os HGVs serão as endoatmosféricas, que atuam abaixo dos 100 km de altitude. Atualmente os EUA planejam expandir o envelope do THAAD (sistema exo/endoatmosférico) para adicionar os ICBMs e HGVs como um alvo em potencial. O míssil RIM-174 SM-6 deve ser testado contra um HGV até 2023. Ambos, porém, serão sistemas tradicionais com uma expansão incremental do envelope de engajamento.
míssil RIM-174 SM-6 sendo lançado de um destroyer da classe Arleigh Burke.
O ideal contra a ameaça HGV é o desenvolvimento de uma nova geração de defesas terminais especializadas nesta função. Recentemente a DARPA concedeu à Northrop Grumman um contrato de US$ 13 milhões para estudar a defesa contra armas hipersônicas dentro do programa chamado Glide Breaker, com os testes iniciais ocorrendo em 2020.


Se as defesa contra os HGVs já é uma tarefa desafiadora, contra os HCMs o desafio será ainda maior, já que esses últimos voam muito mais baixo e são mais manobráveis do que os HGVs.  A defesa contra HCMs provavelmente envolverá sistemas com energia dirigida concentrada (laser), guerra eletrônica, pulso eletromagnético e interceptadores cinéticos de nova geração.
As nações que não possuem sistemas avançados de defesa capazes de defender-se contra mísseis balísticos tradicionais provavelmente não experimentarão uma grande mudança na ameaça dessas novas armas porque já são vulneráveis, a possível exceção é o tempo de alerta. As armas hipersônicas aumentam substancialmente a ameaça para as nações com defesas antimísseis que atualmente são eficazes.

LIMITAÇÕES

Comunicação e Aquisição de Alvo
A velocidade hipersônica gera desafios de comunicação e aquisição de alvo. Velocidades muito altas na atmosfera formam um invólucro de plasma em torno do míssil. Consequentemente, tornando o trabalho dos sistemas de comunicação e aquisição de alvo tradicionais impossível. Só pode haver duas soluções: reduzir a velocidade (após a qual o míssil se torna simplesmente supersônico, perdendo sua principal vantagem) ou, de alguma forma, fornecer uma “saída do plasma” para as antenas de comunicação e aquisição de alvo. Teoricamente, isso é possível. No entanto, é preciso entender objetivamente que isso leva a uma limitação das características dos canais de comunicação e aquisição de alvo (em comparação com as capacidades dos “mísseis clássicos”).
As novas armas hipersônicas, para serem efetivas contra alvos móveis, requerem uma designação de alvos muito precisa, cujos requisitos são muito mais altos do que, por exemplo, para os mísseis antinavio convencionais. Soma-se a isso a grande velocidade do míssil e o intervalo de aquisição do alvo na fase terminal, tornando-se extremamente desafiador e passível de ser explorado pelo adversário. Os problemas de aquisição têm soluções, mas apenas na forma de sistemas de inteligência, busca, reconhecimento e aquisição de alvos perfeitamente integrados em um teatro operacional, e não na forma de um “conjunto” de sistemas separados.
Custos
Além dos desafios inerentes à velocidade, a maior limitação atual dos mísseis hipersônicos é seu elevado custo. Considerando a existência de um inimigo com um grande número de alvos, a quantidade de mísseis hipersônicos necessários para sua destruição está além da capacidade orçamentária de qualquer país. Os mísseis convencionais serão inevitavelmente a base do arsenal, além disso, quando taticamente bem utilizadas, eles ainda são capazes de atingir seus objetivos com eficiência. Os mísseis hipersônicos serão um meio de amplificação qualitativa – para destruir alvos taticamente mais valiosos.
No campo estratégico, por exemplo, um HGV com ogiva nuclear e capacidade intercontinental não entrega muito mais do que os atuais ICBMs, já que atualmente não existe um escudo antimíssil implantado ou previsto capaz de conter um ataque de saturação ICBM tradicional. No campo tático, os HGVs e HCMs com ogiva convencional, para justificarem sua serventia, devem ser voltados contra alvos de grande valor tático, como Carrier Strike Group, defesas antiaéreas (para possibilitar operações aéreas na zona inimiga), Centro de Comando e Controle (C2), infraestruturas utilizadas para o esforço de guerra que estejam fortemente defendidas ou em zonas longínquas, como parques industriais, usinas elétricas e terminais de carga (ferroviário, marítimo e aéreo).
Conteúdo original: https://tecnomilitar.wordpress.com/2020/03/23/misseis-de-ataque-hipersonico/ (a transcrição para essa página sofreu algumas adaptações).

Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Como se tornar um designer automotivo de verdade?

Linha do tempo da colonização de Marte

A EVOLUÇÃO HUMANA CONTINUA