A Tabela do Tesouro.
Empresas
brasileiras começam a explorar minerais diferentes. O problema é que os riscos
ambientais são tão grandes quanto às oportunidades econômicas.
A cotação do ouro bateu novos recordes em meados do mês passado. Atingiu
pela primeira vez US$ 1,6 mil a onça (31,1 gramas). Mas as grandes
oportunidades de negócios estão em minerais sobre os quais você nunca ouviu
falar. Lantânio, neodímio, európio e disprósio, por exemplo. Parece a escalação
de um ataque de marcianos ou uma estrofe de um poema dadaísta. Nada disso. São
os nomes de alguns dos produtos em alta crescente nas bolsas de commodities. E
não são os únicos. No pequeno município de Maracás, a 365 quilômetros ao sul de
Salvador, o termo vanádio foi incorporado ao vocabulário local. Ali, em pleno
agreste baiano, ocorre a maior concentração desse metal em jazidas de todo o
planeta. O produto, cuja cor escura destoa da terra alaranjada da região, é usado
na fabricação de um tipo especial de aço e alumínio, mais leve e resistente que
os convencionais.
A relação entre o vanádio e os 25 mil habitantes de Maracás (40% deles
na zona rural) não é nova. Sua presença na região é conhecida há duas décadas.
A exploração da reserva, contudo, só se tornou viável agora. Ela foi puxada
pelo aumento da demanda por ligas metálicas menos pesadas, usadas pela
indústria aeronáutica, a construção civil e os fabricantes de tubulações de
óleo e gás. “A necessidade de reconstruir as áreas afetadas pelo acidente
nuclear de Fukushima, no Japão, também contribuiu para aquecer o mercado”, diz
o gaúcho Kurt Menchen, presidente da Largo Mineração, empresa de origem
canadense responsável pela extração do minério na Bahia. O preço do vanádio
quase dobrou entre 2007 e 2008, de US$ 7,40 para US$ 12,90 a libra. Caiu com a
crise nos Estados Unidos, mas voltou a subir em 2011, chegando a US$ 9.
A mina da Largo deve começar a operar em 2012. Hoje, não passa de uma
vala, com 30 metros de comprimento. Nos próximos 15 anos, assumirá uma forma
elíptica, com quase 400 metros de comprimento no seu trecho mais extenso.
Ocupará uma área equivalente a 12 campos de futebol. Estão previstos
investimentos de US$ 270 milhões na região. Um total de 1,2 mil trabalhadores
será contratado na primeira etapa da exploração. São números tão eloquentes
para o agreste baiano que o impacto da mina deve reverberar em pelo menos sete
cidades. A reserva está estimada em 10 milhões de toneladas – mas pode ser o
dobro, segundo pesquisas recentes.
O tal do tálio
Barreiras, outra cidade baiana, a 900 quilômetros de Salvador, é um polo
produtor de soja, algodão e milho. Agora, está se familiarizando com a palavra
tálio – outro elemento emergente da tabela periódica. Uma das maiores minas
desse metal do mundo foi descoberta ali, em fevereiro. Tem reservas estimadas
em 60 toneladas, o suficiente para suprir a demanda global por seis anos. E
esse pode ser um cálculo parcimonioso. A pesquisa concentrou-se em 2% da
região.
O tálio é usado em motores de carros, supercondutores, chips, vidros de
alto poder de refração e dispositivos de comunicação sem fio. O grama do
produto valorizou 30% em quatro anos. A jazida de Barreiras será explorada pela
Itaoeste, criada em 2002 pelo empresário Olacyr de Moraes, o rei da soja nos
anos 70. Ela transformará o Brasil em um competitivo fornecedor, num segmento
dominado pela China e pelo Cazaquistão. A exploração está prevista para começar
em 2015.
Não é só vanádio e tálio. A Bahia está se tornando o maior centro de
mineração do país. O Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM), do
Ministério de Minas e Energia, registrou 11.257 pedidos de pesquisa mineral no
Brasil entre janeiro e maio deste ano, 44% mais que no mesmo período do ano
passado. A Bahia foi a principal alavanca desse salto, com 2.584 solicitações.
Terras raras
As terras raras representam outra oportunidade. Trata-se de um conjunto
de minerais não ferrosos, com 17 variedades, descobertos entre 1794 e 1907.
Diferem uns dos outros no número de elétrons em torno do átomo. Por isso,
ocupam uma ala específica da tabela periódica. O ataque da seleção de Marte
(com lantânio, neodímio, európio e disprósio) faz parte desse grupo. A equipe
completa inclui cério, praseodímio, promécio, samário, gadolínio, térbio,
hólmio, érbio, túlio, itérbio, escândio, ítrio e lutécio. Formam um time e seis
reservas.
Os nomes são esquisitos, mas suas aplicações são estratégicas. As terras
raras são usadas em vários produtos de tecnologia de ponta. Um exemplo são os
ímãs de alta capacidade, usados em motores que movimentam carros elétricos ou
turbinas das torres eólicas. Outras partes dos veículos também se valem desses
minerais. O Prius, o híbrido da Toyota, usa 500 gramas de lantânio em suas
baterias. Eles também estão na receita de smartphones, iPods e iPads, além de
fibras ópticas, painéis solares, lâmpadas de LED e mísseis. São essenciais para
boa parte das ferramentas e brinquedinhos eletrônicos do século XXI.
Kurt Menchen, da Largo, e o vanádio. A empresa vai explorar o mineral no agreste baiano. |
Cada vez mais caros
O preço desses minerais explodiu no último ano. Em janeiro de 2009, o
quilo do neodímio (usado para produzir ímãs, lentes e um tipo de laser) estava
cotado em US$ 15. Atingiu US$ 200 no início de 2010. Culpa da China, disparado
o maior produtor de terras raras do mundo. Os chineses detêm 97% das vendas,
estimadas em US$ 5 bilhões anuais (135 mil toneladas por ano, uma demanda que
deve chegar a 180 mil em 2012). Exercem esse domínio desde os anos 90, quando
entraram no mercado com preços imbatíveis. Derrubaram as cifras da tabela periódica
da mesma maneira que desmontaram mercados de tecidos, calçados e bugigangas.
As cotações subiram no fim de 2010, no momento em que a China impôs
cotas de exportação desses produtos. Alegou que restrições ambientais na
extração dos minérios tornaram a produção mais cara e escassa. Mas há outras
interpretações. Alguns analistas afirmam que os chineses querem dizer adeus à
condição de despachantes de commodities. Em vez de vender o neodímio em estado
bruto, pretendem fabricar ímãs e vender os motores prontos. Eles têm adotado
estratégia semelhante para agregar valor em outros ramos da indústria.
No Brasil, além do aumento do preço, a discussão sobre terras raras
ganhou uma motivação adicional no fim de 2010. Em novembro, a U.S. Geological
Survey, a agência americana de pesquisas geológicas, divulgou um artigo
indicando que as maiores reservas do mundo estão em cidades brasileiras como
Araxá (MG) e Catalão (GO). As estimativas não são consensuais. Tomaram como
base estudos feitos por um técnico brasileiro, apresentados em um congresso em
1996. (O país já explorou esses produtos, mas os abandonou, juntamente com os
Estados Unidos, após a investida chinesa.)
Nos últimos meses, o governo brasileiro abraçou a causa das terras raras
– e o combate ao monopólio chinês. O ministro da Ciência e Tecnologia, Aloizio
Mercadante, tentou empurrar a Vale para esse campo. No mês passado, o
presidente da mineradora, Murilo Ferreira, afirmou que entraria no ramo e que
havia pedido estudos para técnicos da companhia. Mas a equação não é tão
simples. O preço dessas commodities está nas alturas. Mas todos no mercado
esperam que baixe. Só não se sabe em qual andar o valor vai se estabilizar.
Risco ambiental
A exploração desse tipo de minério é outro complicador. O nome terras
raras é um equívoco. Esses elementos são tão abundantes na crosta terrestre
como o níquel, o cobre, o zinco ou o chumbo. A dupla túlio e lutécio é 200
vezes mais comum que o ouro. A raridade reside na concentração com que ocorrem
na natureza, extremamente baixa. Os 17 elementos são de difícil separação da
terra e outros detritos. Há mais. Esses metais tendem a se agrupar em rochas,
junto a materiais radioativos. Do ponto de vista de segurança (inclusive
ambiental), a exploração de terras raras é uma operação de risco. Considerações
semelhantes devem ser aplicadas à produção de minerais na Bahia. O tálio também
é radioativo. Os rejeitos do vanádio, como os de qualquer minério, têm de ser
permanentemente controlados. Todas essas minas precisam ainda planejar como as atividades
de exploração serão encerradas.
Soa surpreendente, mas o rompimento de barragens é uma consequência não
tão rara da exploração inadequada de produtos extraídos da natureza. Elas são
construídas para conter rejeitos, e nem sempre suportam aumentos repentinos de
demanda. Nesses casos, o ritmo de extração cresce e os depósitos com detritos
atingem níveis além dos previstos. Como falta fiscalização, sobram acidentes.
Em 2007, uma barreira com restos de caulim, argila usada no branqueamento de
papel, desabou perto de Barcarena, a 123 quilômetros de Belém (PA). Cerca de 70
milhões de litros do material foram despejados em um córrego. O resíduo não
traz riscos para o ser humano, mas matou peixes. A Imerys, empresa responsável
pelo empreendimento, foi multada em R$ 4 milhões.
O outro lado
Ocorre que o esforço de extração de produtos pode valer a pena. E isso
se aplica aos novos minerais. É nesse sentido que aponta um estudo da Fundação
Centros de Referência em Tecnologias Inovadoras (Certi), de Santa Catarina. Os
pesquisadores analisaram o neodímio, usado na fabricação dos superímãs. A
operação comercial foi classificada como “viável, competitiva e estratégica”.
Atingiria um custo de US$ 87 o quilo, sendo que o metal não deve ser vendido
por menos de US$ 100. Mas há uma ressalva, segundo Carlos Alberto Schneider,
superintendente da Certi: “É importante que o país domine toda a cadeia de
produção. Temos de extrair o material, separá-lo, formar a liga, construir os
ímãs e os produtos onde serão utilizados. Esse seria um bom negócio”.
Um número crescente de empresas segue essa rota. A Molycorp Minerals vai
reativar a maior mina de terras raras dos Estados Unidos, em Mountain Pass, na
Califórnia. A Ucore Rare Metals, empresa do Canadá, procura pelos 17 elementos no
Alasca. A australiana Lynas Corporation engrossa a fila. Todas essas companhias
estão em alerta após o choque de preços provocado pela China. Aliás, os
chineses foram mais longe. Eles não subiram somente as cifras. Usaram as terras
raras como instrumento de pressão numa escaramuça com o Japão. Cortaram o
fornecimento dos metais depois que um barco de pesca chinês foi apreendido por
autoridades japonesas em um trecho do mar disputado pelos dois países. Ter
reservas de terras raras pode nem ser uma vantagem excepcional, mas ficar sem
elas parece representar um risco maior.
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